Até O Último Homem

                                                  
Avaliação: ✰✰✰✰

Hacksaw Ridge - EUA, 2016

Direção: Mel Gibson
Roteiro: Andrew Knight e Robert Schenkkan
Elenco: Andrew Garfield, Teresa Palmer, Sam Worthington, Hugo Wearving, Vince Vaughn e Rachel Griffiths.


Sinopse: Desmond Doss é um jovem religioso que se alista no exército em plena Segunda Guerra Mundial no intuito de salvar vidas, mas com uma condição: não tocar em armas. 








Já no início de Até O Último Homem vemos o protagonista fazendo uma oração e não é difícil de imaginar que uma história onde a religião aliada ao contexto de violência seria um roteiro ideal para Mel Gibson. Pouco mais de 10 anos sem dirigir um filme, Gibson agora tem a oportunidade trazer uma história de redenção frente a um ambiente brutal que foi a Segunda Guerra.  

Redenção, aliás, que acaba se referindo ao próprio diretor que nos últimos anos foi acusado de violência doméstica, alcoolismo, declarações racistas etc. Mas o que fica claro que mesmo adotando o discurso da não violência e da fé irrestrita na sua religião, Gibson acaba utilizando da própria violência gráfica e da entrega ao ideal religioso que compôs em A Paixão De Cristo.

A narrativa é centrada no protagonista Desmond Doss (Andrew Garfield), um garoto que desde cedo colocou na sua cabeça o mandamento de não matar, na juventude se apaixona pela enfermeira Dorothy e, sonhando em ser médico, descobre no exército a chance de poder salvar vidas. Aliado a decisão do seu irmão de ingressar nas tropas, ele, contra vontade dos pais, se alista com a condição de que não tocará em armas.

Vivido por Andrew Garfield com uma entrega emocionante, Doss é um rapaz tímido e, por vezes, até um pouco ingênuo, mas que impõe suas decisões de maneira natural. Sempre se agarrando a ideia de não usar armas através da sua fé cristã (decisão esta proveniente de um trauma recente), suas atitudes altruístas são extremamente comoventes (vê-lo, por exemplo, salvar a vida de vários companheiros utilizando uma corda enquanto recita uma oração é o ponto alto do filme). Mas não é possível dizer o mesmo dos outros personagens, sua mãe e irmão ficam pouco tempo em tela, pois o primeiro ato se apressa em entregar Desmond Doss ao campo de treinamento; nesta parte se destaca Hugo Wearving como o pai de Desmond que, apesar de ser um homem rude e alcóolatra, demonstra imensa preocupação por seus filhos se alistarem. Já Teresa Palmer não tem muito que fazer como Dorothy, embora seja carismática.

Já no campo de treinamento temos a melhor parte do roteiro, é quando os ideais da fé e da guerra são colocados em xeque. Lembrando o treinamento militar de Nascido Para Matar, mas sem a visceralidade da imposição do pensamento bélico como forma de mostrar a degradação psicológica dos personagens, aqui o treinamento é mais suavizado e demonstra certa disciplina de Gibson na direção, indicando, talvez, um filme que aborde ainda mais o pacifismo em tempos de guerra.

A partir do terceiro ato temos a parte que Mel Gibson adora: mostrando corpos mutilados, explosões em câmera lenta, pedaços de membros voando para a tela e muito sangue. A violência é retratada em cada detalhe por mais de uma hora de duração. Banhando em um cinza repleto de neblinas, somos transportados a um clima de frieza e crueldade. Além disso, Gibson faz questão de exacerbar o nacionalismo estadunidense colocando os japoneses como monstros que gritam e fazem careta diante da tela o tempo todo, dispostos a matar a qualquer custo. Essa caricatura dos japoneses só fica um poucochinho mais suavizada quando vemos Doss ajudar um soldado japonês que se rebelou – ainda citam mais outro, porém não é mostrado.

Sem deixar de lado a característica religiosa na tela, temos finalmente o plano que mostra Desmond quase que ascendendo aos céus e com os braços semiabertos lembrando Jesus Cristo. Assim, o auto sacrifício em nome da paz visto em Até O Último Homem é quase como uma forma de Mel Gibson se redimir dos problemas do passado. Digo quase porque essa relação entre violência e a paz religiosa exige muita compreensão e cuidado para não ser usada de forma deturpada.


Sexta-feira, 27 de janeiro de 2017


Por Aquiman Costa 

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